Segunda, 13 Janeiro 2020 18:54

Os Quatro Pilares da Educação e a Educação Escolar Cristã

Escrito por Eliana Flore

Por Eliana Flore

Publicado em 1999 pela UNESCO, o documento “Educação um tesouro a descobrir” traz os Quatro Pilares da Educação e tornou-se uma leitura obrigatória para os educadores e referência para a educação escolar mundial. Mas o que significa cada um deles? Eles podem ser referências para a Educação Escolar Cristã? Que cuidados devemos adotar para perceber o que está ou não alinhado com a visão cristã de educação escolar? 

Neste artigo pretendemos instigá-lo a começar esta reflexão e daremos algumas pistas para que você continue a busca pelo tesouro que é a Educação e, principalmente, a Educação Escolar Cristã.

Para nossa reflexão apresentamos o resumo de cada Pilar presente no capítulo 4 do documento e na sequência alguns pontos que precisamos observar mais de perto. Sabemos que o documento se propõe a trazer uma discussão sobre como a educação atual pode responder melhor às necessidades atuais e preparar cada aluno para enfrentar os desafios que o esperam. Também temos esta mesma preocupação e encontramos muitos pontos de contato com o que foi levantado; os problemas começam a aparecer quando a linguagem humanista e a forma como os elementos são organizados passam a indicar um sentido diferente daquele para o qual a palavra de Deus nos ensina que todas as coisas devem convergir.

Saber ser – UNESCO

“Aprender a ser, para melhor desenvolver a sua personalidade e estar à altura de agir com cada vez maior capacidade de autonomia, de discernimento e de responsabilidade pessoal. Para isso, não negligenciar na educação nenhuma das potencialidades de cada indivíduo: memória, raciocínio, sentido estético, capacidades físicas, aptidão para comunicar-se.”

Saber ser – Visão Bíblica

Podemos concordar que enquanto educamos é importante conduzir o aprendiz a desenvolver suas potencialidades como descrito acima. Em que ponto divergimos?  Aqui a questão é observar o sentido ou direção em que este desenvolvimento pode seguir. É preciso ficar atento a tendências educacionais que estão embutidas não só neste documento, mas em boa parte de textos, livros e teorias pedagógicas que apresentam em seu bojo alguns termos como, por exemplo, “Autonomia” que vem do Grego autós= por si mesmo e nomos= lei, e significa capacidade de governar-se pelos próprios meios. Embora muitos textos tragam este termo para indicar que o aluno deve ter uma postura responsável no processo de ensino e aprendizagem, muitos textos pedagógicos irão apontar na direção de uma exaltação do indivíduo dando-lhe cada vez mais liberdade ao ponto de afirmar que este é capaz de construir conhecimento, ou seja, explicar, modificar e intervir na realidade a partir de si mesmo, a partir de leis e percepções criadas por ele mesmo, ou ainda que suas experiências e gostos devam ser a base para seu aprendizado e que, portanto, os critérios de escolha para conduzir o processo educacional serão aqueles que proporcionam somente experiências agradáveis ao aprendiz.  A Bíblia nos ensina que saber quem sou é reconhecer que sou criatura de Deus, que devo reconhecer suas leis nas Sagradas Escrituras e na Criação, e então aprendê-las e viver em obediência a elas. Não é a criatura que cria suas regras, é o Criador que já as estabeleceu desde o Princípio as Leis que regem todas as estruturas da realidade. O homem só tem uma noção correta de quem ele é quando entende que é uma criatura e as implicações de ser feito à imagem e semelhança de Deus.  Solano Portela resumiu muito bem a implicação deste pilar em seu livro “O Que Estão Ensinando a Nossos Filhos” quando escreve “[...] o conhecimento próprio, o aprender a ser é condição essencial para que vejamos a distância que nos afasta da perfeição divina e nos joguemos às suas misericórdias na esperança de redenção e do propósito de vida que vem como fruto do relacionamento restaurado com o Criador” 

 

Saber conhecer – UNESCO

“Aprender a conhecer, combinando uma cultura geral, suficientemente vasta, com a possibilidade de trabalhar em profundidade um pequeno número de matérias. O que também significa: aprender a aprender, para beneficiar-se das oportunidades oferecidas pela educação ao longo de toda a vida”.

Saber conhecer – Visão Bíblica

Atualmente é de grande valor ter a disposição de aprender a aprender, pois as mudanças em todas as áreas vêm cada vez com mais força e com maior rapidez. É difícil manter-se minimamente atualizado e, portanto, é de grande importância desenvolver habilidades que permitam ao aprendiz ter discernimento de onde buscar informações, memorizá-las, processá-las e como aplicá-las em sua vida: ‘a priori’ em sua vida estudantil e posteriormente em sua vida profissional. Até aqui estamos de acordo, a grande questão é onde buscar tais informações e a partir de que premissas conduzir os raciocínios. Quais valores devem permear estes conhecimentos adquiridos? Como estimular uma postura crítica sem tornar-se alguém que apenas vê os pontos negativos? Como estimular o aluno a ter uma vasta cultura e que essa atitude seja uma constante em sua vida? Como ele pode engajar-se e tornar-se um cidadão ativo sem deixar de ser um cristão fiel e relevante?

Deus criou os seres humanos à sua imagem e semelhança e os dotou com a capacidade de buscar e conhecer a verdade. Ele nos oferece elementos a serem conhecidos – sua Palavra, a criação e sua própria Pessoa.  O filósofo cristão Gordon Clark resumiu bem na frase: “Deus criou a mente e o mundo para se harmonizarem”. É muito bom saber e ensinar que Deus criou a mente humana, mas o que não podemos esquecer é que tanto a mente humana quanto o maravilhoso mundo criado por Deus foram afetados pela queda e, sendo assim, precisamos estar alertas e é por isso que a Bíblia nos exorta a “conhecer e reter o que é bom”. Dessa forma se faz necessário uma prática educativa que promove no aluno o desenvolvimento do discernimento e o pensamento crítico. Ser crítico é ter critérios, é ter filtro e saber interpretar o mundo a partir de uma cosmovisão cristã; só assim nossos alunos não serão presas fáceis, consumidores de cultura e sim pessoas que possuam uma vasta cultura e ainda assim mantenham sua posição como luzeiros neste mundo. A Bíblia nos ensina que:

  • Devemos conhecer os mandamentos, estatutos e juízos de Deus. Exs.:  Dt. 6.1-8 e Sl. 78.
  • Devemos buscar a sabedoria que vem de Deus. Exs.: Pv. 1.7, Tg. 1.5
  • Devemos buscar a compreensão da palavra de Deus. Pv. 1.2 e Pv. 1.5,6

Na vida de Daniel e seus companheiros temos a demonstração deste pilar: Viveram em meio a uma cultura pagã, adquiriram muito do conhecimento presente na cultura vigente que era suficientemente vasta, demonstraram domínio destes conhecimentos ou em todas as disciplinas bem acima da média dos demais alunos e não só viveram de forma a beneficiar-se das oportunidades oferecidas pela educação ao longo de toda a vida como também influenciaram de forma positiva a todos em sua volta sem deixar de cumprir o propósito para o qual foram criados: Glorificar a Deus.

 

Saber fazer – UNESCO

“Aprender a fazer, a fim de adquirir, não somente uma qualificação profissional, mas, de uma maneira mais ampla, competências que tornem a pessoa apta a enfrentar numerosas situações e a trabalhar em equipe. Mas também aprender a fazer, no âmbito das diversas experiências sociais ou de trabalho que se oferecem aos jovens e adolescentes, quer espontaneamente, fruto do contexto local ou nacional, quer formalmente, graças ao desenvolvimento do ensino alternado com o trabalho.”

Saber fazer - Visão Bíblica

Muito há para se falar sobre a vida e o trabalho e neste caso, o pilar “aprender a fazer” traz uma visão específica sobre a vida profissional e o preparo para os desafios que a envolvem. O cuidado aqui é refletir sobre como desenvolvemos as competências necessárias para que nossos alunos estejam aptos a trabalhar sem esquecermos de que a visão Cristã de trabalho traz consigo o conceito de vocação, ou seja, chamado e que quem chama é Deus. Não se trata somente de uma escolha profissional, mas sim de uma busca para conhecer qual a vontade de Deus para sua vida, portanto, sua escolha não será motivada apenas pelo aspecto econômico ou social. Desta forma a convicção de que ao exercer sua atividade profissional o jovem ou adolescente está glorificando a Deus lhe será estímulo para enfrentar as dificuldades que lhe serão impostas pela atividade e lhe ajudará a buscar trabalhar em equipe, demonstrando uma postura de respeito e amor ao próximo, sendo também coerente com uma postura ética no desenvolvimento de suas funções no trabalho. Estas premissas serão imprescindíveis para mantê-lo firme no propósito para o qual foi chamado e exercer este chamado da melhor forma possível, colocando seus talentos para servir a Deus, a sociedade e ao próximo com postura coerente entre fé e obras. Nesse processo pode surgir a necessidade de inclusive buscar o desenvolvimento de novas habilidades ou adquirir novos conhecimentos para vencer desafios que lhe forem impostos na área de sua atuação. É fato que neste ambiente sempre haverá uma tensão entre competição e cooperação o que vai exigir deste exercitar sua fé diariamente e lembrar-se de textos como:

Portanto, quer comais quer bebais, ou façais outra qualquer coisa, fazei tudo para glória de Deus.” I Co. 10.31

Tudo quanto te vier à mão para fazer, faze-o conforme as tuas forças... Ec. 9.10

 

Saber conviver – UNESCO

“Aprender a viver juntos desenvolvendo a compreensão do outro e a percepção das interdependências — realizar projetos comuns e preparar-se para gerir conflitos — no respeito pelos valores do pluralismo, da compreensão mútua e da paz”.

Saber conviver – Visão Bíblica 

A Bíblia nos exorta em diversos textos sobre o saber conviver e apresenta princípios e valores que devem reger os diversos contextos que envolvem a complexidade das relações humanas. E aparentemente não há conflito com o que se coloca neste pilar; porém, quero chamar atenção para o que pode estar embutido neste pilar: Educação como solução para conflitos.

Há de se tomar cuidado para que, no esforço de se desenvolver tais competências, não se enfatize uma visão de que a educação é capaz de redimir o ser humano e suas relações de trazer respostas para sua condição e que este seria capaz de promover a solução para todos os conflitos e estabelecer a paz no mundo.  A Bíblia nos ensina a amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a nós mesmo e nos estimula a buscar a paz, mas sem perdermos nossa identidade e valores cristãos, ou seja, respeitar não nos induz a concordar com tudo e com todos. Devo manter minha postura cristã frente aos mais diversos assuntos, discordar de ideias sem necessariamente ser agressivo com as pessoas ou concordar com tudo e todos em nome da manutenção da paz. Pois, a Bíblia nos exorta a “Segui a paz com todos, e a santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor.” Hebreus 12.14. Muitas vezes no anseio de colocar em prática a primeira parte do texto nos esquecemos de nossa posição de cristão que deve buscar a santificação. Somos separados para agradar a Deus e não aos homens e, portanto, os conflitos serão inevitáveis, mas isso não nos impede de, enquanto for possível, nos mantermos em uma postura pacífica. Também somos, como cristãos, incentivados a desenvolver a compreensão do outro e a percepção das interdependências, o que pode ser trabalhado através de projetos em comum permeados com atividades que levem o aluno a aprender a fazer ou aplicar os conhecimentos adquiridos em diferentes circunstâncias tais como: a trabalhar em equipe, com prazos, sob pressão etc.. E manter equilíbrio e respeito pelo próximo e amor a si mesmo. Neste contexto destacamos a importância do respeito às autoridades, respeito às regras e aos limites que a realidade impõe a todos, pois na visão atual há tamanho incentivo às liberdades individuais que muitas vezes o convívio em grupo fica quase impossível e cada vez mais violento. Por isso entendemos que cabe ao educador cristão trabalhar sim com as quatro competências educacionais, mas não perdendo de vista a “Metanarrativa Bíblica” sem a qual a vida humana não faz sentido: Criação – Queda – Redenção – Consumação. 

 Fomos criados por Deus, vivemos em um mundo feito e estruturado por Ele, mas, a queda do homem afetou sobremaneira a criação, mas Deus não nos deixou sem esperança e em Cristo nos providenciou a redenção. E estamos aguardamos a sua volta.

“Somos criaturas de Deus e podemos conhecer, fazer e conviver para Glória Dele.”


Bibliografia:

http://dhnet.org.br/dados/relatorios/a_pdf/r_unesco_educ_tesouro_descobrir.pdf

PORTELA, Solano – O que estão ensinando aos nossos filhos – Editora Fiel

ACSI, Fundamentos Pedagógicos

Bíblia Sagrada

 

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